Universidade Gratuita: a ilusão que substituiu as bolsas 170 e 171

Quando o Governo de Santa Catarina lançou, com pompa e propaganda, o programa Universidade Gratuita, a impressão que passou à população era clara: todos os alunos que ingressassem no ensino superior particular teriam acesso à gratuidade, com bolsas integrais pagas pelo Estado. Mas a realidade é bem diferente do discurso — e muito distante do que os antigos programas de bolsas 170 e 171 representaram para milhares de estudantes catarinenses.

 

 

As bolsas previstas nos artigos 170 e 171 da Constituição Estadual, conhecidas como Bolsa Estudo e Bolsa Pesquisa, tinham uma lógica mais distributiva e abrangente. Ainda que não fossem integrais para todos, permitiam acesso a percentuais variados de bolsas — 30%, 40%, 50%, 80% e are 100% — e contemplavam uma gama muito maior de alunos. Os critérios eram baseados na renda e no envolvimento com projetos sociais ou de pesquisa, promovendo inclusão de forma escalonada e racional.

 

 

Com a extinção desses programas e a criação da Universidade Gratuita, o que se vê é um novo modelo concentrador. Poucos alunos recebem bolsas de 100% — estes, muitas vezes em cursos de alto custo, com mensalidades na casa dos R$ 10 mil. Enquanto isso, a maioria dos estudantes de cursos com mensalidades muito menores, como licenciaturas ou áreas de humanas, fica de fora ou conta com um apoio simbólico, quando muito.

 

 

A propaganda oficial do programa chega a prometer o seguinte: “Esse programa inclui todos os cursos e vale para todos os alunos. Se hoje você paga uma mensalidade, em julho de 2023 não vai mais pagar. O que você dá em troca? Você vai estudar de graça em uma universidade comunitária e, depois de formado, retribuir para a sua comunidade trabalhando 4 horas por semana, durante 1 ano, na sua área de formação.”

 

 

Essa promessa, no entanto, configura propaganda enganosa. O programa não abrange todos os cursos, nem todos os alunos. A gratuidade integral é para uma pequena minoria. A maioria continua pagando — e pagando caro. Criou-se uma ilusão: a de que o governo paga integralmente a faculdade de todos os estudantes. Mas isso não é verdade. E mais do que uma ilusão, é uma inversão de prioridades.

 

 

Recursos públicos estão sendo destinados, em larga escala, para custear mensalidades altíssimas de uma minoria, enquanto cursos de menor valor, mas com grande impacto social, permanecem negligenciados. Essa escolha também carrega um traço de elitização. Ao privilegiar cursos como Medicina, o programa acaba canalizando os recursos públicos para estudantes que, em muitos casos, já têm melhores condições socioeconômicas, reforçando desigualdades em vez de corrigi-las.

 

 

É preciso debater com seriedade. O nome do programa engana. A “Universidade Gratuita” não é gratuita para todos. Ela é, na prática, um modelo que concentrou o que antes era distribuído, que eliminou um sistema mais abrangente para substituí-lo por uma política mais vistosa aos olhos da opinião pública, mas menos efetiva na sua essência.

 

 

O governo precisa ser transparente sobre os números: quantos alunos recebem bolsa de 100%? Qual a distribuição por curso? Qual a média de valor por aluno? E, principalmente: quantos estudantes ficaram sem qualquer auxílio depois da mudança?

 

 

A educação superior é uma ferramenta de transformação. Mas para que cumpra esse papel, precisa ser acessível de forma democrática — e não apenas como vitrine política de um governo.