A prefeitura de Concórdia reenviou para a Câmara de Vereadores, a lei Lei nº 22/2025 que dispõe sobre a criação e o uso de ciclofaixas de lazer no município. À primeira vista, trata-se de mais uma iniciativa para incentivar o uso da bicicleta. Mas, ao olhar com mais atenção — e, sobretudo, com os olhos da Constituição — a lei pode não ser tão simples assim.
O texto substitui as ciclovias permanentes previstas que não caíram do céu, este modal está previsto no Plano Municipal de Mobilidade Urbana (PMMU) por ciclofaixas temporárias, válidas somente em domingos e feriados. Além disso, revoga expressamente a Lei nº 4.948/2017, que estabelecia diretrizes mais duradouras para a infraestrutura cicloviária local.
O problema é que essa mudança pode ferir princípios constitucionais básicos. A Constituição de 1988, no artigo 182, impõe que a política urbana deve garantir o bem-estar dos cidadãos, respeitando a função social da cidade. Já a Lei Federal nº 12.587/2012, que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana, determina que o transporte não motorizado deve ser promovido com prioridade — e isso inclui, expressamente, a infraestrutura cicloviária.
Nesse contexto, ao restringir o uso de vias cicláveis a horários específicos e transformá-las em simples espaços de lazer — e não mais como rotas permanentes de deslocamento — a nova legislação parece ir na contramão dos princípios da mobilidade urbana sustentável, do direito à cidade e da função social do espaço público.
Mais grave ainda é a forma como a mudança foi feita: sem consulta pública, sem revisão técnica do plano de mobilidade vigente, sem transparência sobre os impactos da nova medida. Tudo isso afronta os princípios constitucionais da publicidade, da motivação dos atos administrativos e da participação popular na formulação de políticas públicas.
Trata-se, portanto, de uma lei com fortes indícios de inconstitucionalidade por omissão e por afronta direta ao ordenamento jurídico vigente. Quando um município legisla sem observar a hierarquia normativa e os direitos fundamentais, o risco é transformar a exceção em regra e o direito em privilégio de poucos.
Neste caso, a ação do Ministério Público, de associações civis e da própria sociedade é essencial. O controle de constitucionalidade não é uma abstração: é um instrumento legítimo para garantir que leis como essa não distorçam os valores democráticos.
Porque uma cidade que bloqueia o uso diário da bicicleta não está apenas ignorando o futuro — está atropelando o presente e os direitos garantidos na Constituição.